Estamos vivendo uma crise de interesse

por Gustavo Gitti

crise de interesse
Cena de Columbus (2017), um filme sobre interesse

“It’s not a matter of attention span, but of interest. Are we losing interest in things that matter? Are we losing interest in everyday life?”

(Trecho de um diálogo do belíssimo filme Columbus, escrito e dirigido por Kogonada)

Estamos no meio de uma epidemia de déficit de interesse: interesse pelo potencial da mente, pela realidade, pela vida dos outros, pelas tradições milenares de sabedoria, pelo cotidiano… É como se precisássemos o tempo todo dizer “Presta atenção, isso é super importante!”.

Ter muito interesse por tudo é praticamente não ter interesse por nada. Nossa atenção se contenta com inúmeros estímulos e acaba sendo estilhaçada por todo lado, envolvida por migalhas de informação (e desinformação) sem sentido: notícias desconexas, memes, mensagens desnecessárias… O resultado é uma mente facilmente distraída, desfocada, agitada, impulsiva, discursiva e entediada.

Se a gente têm algum interesse, isso naturalmente concentra nossa atenção. O déficit de interesse precede o déficit de atenção. Com atenção individual concentrada, podemos mudar nossa mente e nossa vida. Com atenção coletiva concentrada, podemos mudar o mundo. Interesse é a maior força. Ninguém consegue parar uma pessoa interessada.

Essa noção de “interesse” envolve sabedoria, compaixão e estabilidade. Se praticarmos sabedoria, vamos ficar mais curiosos, não saber, olhar de novo e de novo, investigar com mais e mais interesse cada coisa, da operação das abelhas até o surgimento da sensação de eu por meio da fixação em algo que não é “eu”. Se praticarmos compaixão, naturalmente vamos nos interessar por tudo que está além do umbigo. Se praticarmos mais estabilidade da atenção, relaxamento do corpo e da mente, equilíbrio autônomo da energia, vamos direcionar e sustentar o interesse de modo mais contínuo e concentrado.

Com base nessa percepção, um desejo:

Que mais pessoas filtrem o que vale a nossa atenção, o nosso tempo, a nossa vida. Que a gente escreva menos, fale menos, compartilhe menos e melhor.

Que tais conhecimentos, conversas, visões, histórias, métodos, livros, falas, olhares, pessoas sejam colocadas mais em negrito, em itálico, em caixa alta, em fonte bonita. Mas que isso não dure muito: que mais pessoas digam “Isso é super importante” até o ponto de não precisarmos mais desse recurso.

Que o déficit de atenção seja superado pela intensificação de nosso interesse sobre tudo e cada coisa. Que ninguém tenha preguiça de pesquisar aquilo que pode nos levar a acordar — não importa se for uma palavra em inglês, sânscrito ou tibetano.

Que o aumento do interesse naturalmente cure a depressão e a sensação de falta de propósito dessa pessoa, e dessa outra pessoa, e dessa outra pessoa.

Que o aumento do interesse concentrado cure a ansiedade, a dispersão, a correria, o estilhaçamento de nossa atenção. Que todo mundo encontre o fogo inexaurível da mente interessada!

Que o interesse naquilo que mais importa (reduzir a desigualdade social, num nível mais relativo, por exemplo; atingir a iluminação e desvelar por completo a natureza mais profunda da mente e da realidade, num nível mais absoluto) seja a maior cola entre nós, nos colocando em uma aventura coletiva sem fim.

Que tenhamos interesse! Que a vida não seja algo tão previsível, conhecido, facilmente capturado e entediante, como um mundo que tem big bang, tem átomo, tem política, tem Facebook, tem 2019, tem minha mãe, tem faculdade, tem uma questão que estou resolvendo na terapia, tem comida boa, tem cerveja, tem viagem de vez em quando, tem sexo… e é isso. Não! Que tenhamos interesse para além da vida que parece ser só isso.

Que tenhamos ainda mais interesse! Que cada pessoa descubra a energia infinita que vem junto com um único segundo de curiosidade e abertura.

Que façamos mais perguntas profundas do tipo “Qual é a origem mais sutil do sofrimento? O que exatamente acontece na hora em que estamos sonhando? Como pode algo parecer real e não ser? Onde exatamente existem os pensamentos e as lembranças capazes de nos fazer sorrir e chorar? Como é o processo de morrer? Onde está a mente?” E mais perguntas aparentemente imperguntáveis de tão utópicas como “Como é que a gente se junta para reduzir a desigualdade social? O que podemos fazer começando imediatamente agora?”.

Que a pessoa leia uma citação perdida de Matthieu Ricard e não pare aí. Que procure pelo livro inteiro, mas não pare aí. Que procure por seus mestres e descubra o poder da simples foto de Kangyur Rinpoche. Que assista ao documentário sobre sua vida. Mas não pare aí. Que procure por algo dessa linhagem que esteja vivo. E que não pare aí. Que eventualmente vá a um retiro com seu filho, Jigme Khyentse. E que não pare aí, até realizar completamente tudo aquilo que está por trás daquele sorriso e daquela citação curtinha que um dia você viu passar na sua timeline no Facebook…

Com interesse, qualquer coisa ganha o poder de nos conduzir a uma visão mais ampla. Sem interesse, nada tem o poder de nos acordar, nem mesmo um Buda vivo. Que haja interesse!

Quer colocar isso em prática?

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